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quarta-feira, 20 de junho de 2001

Produto Orgânico ou Produto Ecológico ?

Produto Orgânico ou Produto Ecológico ?[1] 

                                                                                              Laércio Meirelles   


NAVEGANDO EM UM MAR DE RÓTULOS E CONCEITOS
          Nos últimos anos, tem sido inegável o crescimento da busca por práticas agrícolas que incorporem valores ambientais. Um determinado conjunto destas práticas, associado a certos princípios, configura determinada escola de pensamento. Estas distintas escolas se fazem conhecer por nomes distintos e este fato acaba por provocar dificuldades para que o cidadão comum, não estudioso do assunto, tenha clareza do significado de cada termo usado.
Para deixar este quadro ainda mais nebuloso cada uma destas escolas de pensamento muitas vezes fazem chegar ao mercado produtos com adjetivos que os vinculam a estas escolas. Assim podemos encontrar no mercado produtos ecológicos, orgânicos, biológicos, biodinâmicos, agroecológicos, etc. [2]
Dentre tantas perguntas que surgem no desejo de entendermos estas denominações, uma das que se coloca com muita freqüência é sobre a distinção de produto orgânico e produto ecológico. Por parte dos consumidores, o legítimo desejo de esclarecimento para exercer seu direito de escolha. Por parte dos agricultores a necessidade de clarear suas percepções e conceitos. Nos últimos anos tem crescido o número de agricultores e profissionais da área que se utilizam destas duas denominações para demarcar distintos conjuntos de princípios e práticas.
Neste pequeno texto tentamos expor a percepção que a equipe do Centro Ecológico tem sobre estes assuntos.
Em que pese a justa identificação que deve ser feita entre Agricultura Orgânica e o pesquisador inglês Albert Howard[3], um dos pioneiros na crítica aos métodos “modernos” de produção agrícola, esta hoje tem sido muito comumente identificada com a produção de alimentos limpos com vista à comercialização em um mercado diferenciado[4]. Principalmente por aqueles que enxergam no mercado o principal fator de estímulo para a transição de um método convencional de cultivo a outro com bases mais ecológicas.
A etimologia do termo a Agricultura Ecológica nos leva a defini-la como  conjunto de práticas agrícolas que se baseia no estudo do ecossistema. E assim ela tem sido compreendida pela maior parte dos envolvidos: como a produção agropecuária feita sob uma perspectiva de integração e harmonia com a natureza, adquirindo, portanto, um maior caráter de sustentabilidade quando comparada com a Agricultura Orgânica. Alguns ainda ressaltam que a Agricultura Ecológica incorpora ainda valores sociais e políticos (eqüidade social e independência do agricultor, por exemplo).
Muitos também usam como sinônimos estes dois termos[5] ou, ainda, usam preferencialmente  Agricultura Orgânica se referindo ao mesmo padrão que acima descrevemos como Agricultura Ecológica. Neste caso se referenciam na etimologia do termo Orgânico que vem do grego organikós, que significa organização. Agricultura Orgânica busca a organização enquanto a convencional desorganiza os agroecossistemas.
Mesmo considerando a procedência deste argumento, somos obrigados a admitir que cada vez mais o senso comum se refere à Agricultura Ecológica como um conjunto de práticas e princípios mais sofisticados e complexos do que Agricultura Orgânica, principalmente no que diz respeito aos aspectos sócio-ambientais. Algo como toda Agricultura Ecológica é Orgânica, não sendo a recíproca verdadeira.
Muito difundido também tem sido o termo Agroecologia, definido como a “disciplina científica que estuda os Agroecossistemas”, mas cotidianamente utilizado como sinônimo do que aqui descrevemos como Agricultura Ecológica. É muito comum encontrarmos nos textos sobre Agroecologia esta noção da maior sofisticação desta em relação à Agricultura Orgânica, normalmente definida como uma mera substituição de insumos. Para os estudiosos da Agroecologia, a substituição de insumos é uma etapa inicial do processo de “transição Agroecológica” [6].
Sabemos das limitações destes breves comentários, e quanta controvérsia eles podem gerar. Sabemos também que existem ainda outras interpretações, mas não temos a pretensão de esgotá-las. Aqui tentamos sintetizar o que observamos como sendo um senso que vai se formando sobre estas denominações.
A PERCEPÇÃO DOS AGRICULTORES
No ano de 1996, no II Encontro das Associações de Agricultores Ecologistas, realizado em Ipê, muito se debateu sobre este assunto. As conclusões tiradas neste encontro têm, desde então, balizado o trabalho do Centro. Por esta razão as apresentamos a seguir.

                                                                                     
Neste desenho está ilustrado o entendimento que o grupo reunido naquele encontro teve deste processo[7].
O primeiro estágio é o da obtenção do produto orgânico, produzido sem agrotóxicos e adubos químicos solúveis (hoje temos que acrescentar livre de organismos geneticamente modificados). A partir daí se inicia um processo constante de Ecologização no tempo e no espaço, com vistas à Propriedade Ecológica. De uma Propriedade Ecológica sai um Produto Ecológico. A definição de uma Propriedade Ecológica carece ainda de indicadores e parâmetros claros que nos permitam sermos mais precisos nesta classificação. Mas, com certeza, é aquela propriedade que não utiliza mais adubos químicos solúveis, agrotóxicos e OGMs. Que mantém reservas florestais nos locais adequados, não utiliza o fogo e dá um tratamento adequado aos seus resíduos. Que trata cada envolvido neste processo como um cidadão.
Em última análise, este processo de Ecologização é interminável. Como nos fala Eduardo Galeano: “para isto serve a Utopia: para caminhar”.
Nesta percepção, o Agricultor Ecologista é o agente desta mudança. É o responsável por este caminhar. A diferença entre um produtor de produtos orgânicos e um Agricultor Ecologista é que o primeiro está preocupado em produzir um alimento limpo para ter acesso a um mercado diferenciado; o segundo almeja mudanças nas suas relações com a Natureza e com seus semelhantes, buscando maior integração e harmonia. O mercado diferenciado, quando necessário, é uma consequência deste processo.

TENTANDO CONCLUIR
Sabemos que estas considerações desagradam a muitos que se auto intitulam agricultores orgânicos e desenvolvem um trabalho que vai mais além da produção limpa para um mercado diferenciado.
O fato é que tem crescido tanto o mercado para produtos ecologicamente corretos quanto a própria consciência ambiental por parte da população como um todo.
As grandes corporações estão atentas a estes fatos. E buscam seguir sua lógica de acumulação se adaptando a eles. Cada vez mais buscam vincular sua imagem a valores ambientais.
Existem hoje no mundo vários trabalhos de produção orgânica que não contribuem para uma real possibilidade de mudança no quadro de deterioro sócio-ambiental por que passa a sociedade contemporânea.
Neste cenário, é natural que um grande número de envolvidos em uma agricultura mais sadia busquem uma maneira de se diferenciar como partícipes de uma proposta que visa a construção de uma sociedade mais justa socialmente e equilibrada ambientalmente. É neste quadro que muitos buscam adjetivar o trabalho que fazem na agricultura como ecológico, deixando o termo orgânico àqueles que veem nas oportunidades de mercado o grande e as vezes único estímulo para incorporarem a preocupação ambiental em seus sistemas produtivos .

                                                           Dom Pedro de Alcântara, julho de 2001



[1] Este breve artigo é o resumo de um artigo anterior, ambos publicados apenas na página web do Centro Ecológico.
[2] Para maior esclarecimentos sobre as distintas escolas de pensamento ver EHLERS, Eduardo. Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um novo paradigma, São Paulo: Livros da Terra, 1996.
[3] Pesquisador Inglês, que a partir das observações feitas sobre a agricultura indiana escreveu o livro An Agricultural Testament, editado em 1940, na Inglaterra.
[4] Mais recentemente tem se aplicado o termo Agricultura Orgânica Certificada para definir este mesmo estilo de agricultura, que objetiva, em última análise, a produção de produtos limpos para um mercado diferenciado.       
[5] A IFOAM, sigla em inglês pata Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica, é um exemplo.
[6] Para maiores detalhes ver: Gliessman, Stephen. Agroecologia – Processos Ecológicos em Agricultura Sustentável, Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2000, páginas 573 a 575.
[7] Ver Relatório do II Encontro das Associações de Agricultores Ecologistas. Ipê, 20 e 21 de maio de 1996.

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