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sexta-feira, 20 de abril de 2007

Sistemas Participativos de Garantia


Sistemas Participativos de Garantia
- origem, definição e princípios[1]
Laércio Meirelles[2]
ORIGEM
A partir do surgimento de legislações regulatórias para a agricultura orgânica, alguns impasses surgiram em torno do tema da certificação. O exemplo gerado a partir da União Europeia em 1991 foi seguido por quase todos os países que criaram suas leis a partir desta data. Um dos pontos chaves destas leis é a obrigatoriedade da certificação para todos os que querem ingressar no chamado mercado de produtos orgânicos.
Esta exigência provocou um imediato crescimento do mercado de trabalho para as certificadoras, que rapidamente se multiplicaram. Com o passar dos anos o sistema de certificação se aperfeiçoou, criando novas exigências e sofisticando os procedimentos.
Por um lado estes movimentos deixaram as regras mais claras e facilitaram o crescimento dos mercados nos países do norte. Por outro lado, não propiciaram o ingresso de milhares de pequenos produtores orgânicos que não puderam se adaptar a estes novos procedimentos e exigências.
É neste contexto, descrito de maneira muito breve, que surgem alternativas para viabilizar a inclusão destes produtores em sistemas de qualidade ecológica de seus produtos. Assim, os Sistemas Participativos de Garantia (SGP) surgem a partir do vazio deixado pela certificação hoje internacionalmente reconhecida como Certificação de Terceira Parte. Estes vazios são:
§     Metodologia inadequada, muitas vezes inflexível e burocrática.
§     Dependência dos agricultores e consumidores a uma entidade prestadora de serviços.
§     Altos custos da certificação de terceira parte.
§     Obrigatoriedade por parte do produtor orgânico de pagar para acessar o direito de estar no mercado de produtos orgânicos.

DEFINIÇÃO
Antes de definir o que são os SPG é importante levar em conta que a certificação é apenas um dos possíveis processos de avaliação da conformidade[3] de um determinado produto, processo ou serviço com um conjunto de regras pré-estabelecidas.
Os Sistemas Participativos de Garantia - SPGs - pretendem o mesmo. Sob esta denominação se juntam diferentes metodologias de avaliação da conformidade que se baseiam na busca da maior participação possível de todos os atores interessados e em procedimentos adaptados a diferentes realidades sócio-culturais.
Quando conhecemos os sistemas existentes em diferentes lugares do mundo, percebemos que a declaração de conformidade do fornecedor e a verificação por pares são etapas de geração de credibilidade presentes em todos os esquemas em funcionamento. Etapas de verificação da conformidade envolvendo outros atores, especialmente consumidores, são desejáveis, sendo estimuladas sempre que a realidade assim o permita. O quadro seguinte permite uma visualização desta definição:


PRINCIPIOS
Nos últimos anos foram realizados esforços para sistematizar as experiências que trabalham com SPGs. Neste esforço de sistematização, é possível perceber alguns princípios básicos e comuns em todos os sistemas, que são os seguintes[4]:

1)           Visão Compartilhada
Uma força fundamental dos SGPs reside na visão compartilhada e consciente que agricultores e consumidores tem nos princípios centrais do Sistema.

2)           Participativo
Os SGPs e a geração de credibilidade do produto orgânico estão baseados em uma metodologia que facilita a maior participação possível de todos os interessados na produção e consumo destes produtos.

3)           Transparência
A implantação e operação dos SPGs devem ser transparentes. Transparência significa que as pessoas envolvidas entendem como funciona o mecanismo de garantia, qual é o processo para ser incluído no mesmo e como se tomam as decisões. Isto não significa que cada detalhe é conhecido por cada um, ma sim que cada um tem um entendimento básico de como funcional o sistema.

4)           Confiança 
A defesa dos SPGs se fundamenta na confiança nos agricultores / agricultoras. O sistema deve ser expressão desta confiança e basear-se na capacidade das comunidades de dar mostras de confiabilidade através da aplicação de diferentes mecanismos sociais e culturais de controle.

5)           Processo Pedagógico
A intenção da maioria dos SGP é fornecer às organizações dos produtores ecológicos mais que emitir um certificado, mas também proporcionar  mecanismos e ferramentas para apoiar um desenvolvimento comunitário sustentável e orgânico, onde a autodeterminação dos agricultores pode ser potencializada.

6)           Horizontalidade
Horizontalidade significa compartir o poder de decisão e ação. A verificação da qualidade orgânica de um produto ou processo segundo os SGP não está concentrada nas mãos de poucos. Todos os envolvidos nos SGP têm o mesmo nível de responsabilidade e de capacidade de determinar a qualidade orgânica de um produto ou processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos desafios que se apresentam neste momento é a busca do reconhecimento internacional dos SPGs. Isto será possível por meio de ações coordenadas de incidência nos governos nacionais. São principalmente os governos dos países do sul que devem fazer os esforços necessários para que exista este reconhecimento.
É importante levar em consideração que os sistemas de garantia de qualidade dos produtos ecológicos são instrumentos para gerar a credibilidade dos mesmos. São ferramentas e não a essência da agricultura ecológica. Assim, os esforços que se estão sendo realizados neste processo se justificam na medida em que se cumpre com o objetivo de incluir as famílias agricultoras que ficara a margem do desenvolvimento do mercado de produtos orgânicos. Um valor agregado deste processo, como vem sendo demonstrado em algumas experiências, é o fato de que os SPGs são um instrumento pedagógico eficiente para motivar a articulação entre diferentes atores envolvidos na Agricultura Orgânica.
Finalmente, é importante seguir com os esforços para a construção de SPGs sérios e confiáveis. No entanto, a busca de seriedade não pode significar um afastamento de suas características básicas, dentro as quais está a simplicidade. Não confundir complexidade com confiabilidade é um ponto chave. É a maneira pela qual os SPG poderão cumprir seu papel na massificação da produção e consumo de produtos ecológicos.



[1]  Artigo publicado  na Revista Nro 7 de Agricultura Ecológica de AGRECOL – Cochabamba – Bolívia – abril de 2007.
[2] Engenheiro Agrônomo. Coordenador do Centro Ecológico, RS. Brasil. O Centro Ecológico é uma ONG que desde 1985 trabalha em assessoria e formação em Agricultura Ecológica. Membro da Força Tarefa internacional sobre Sistemas Participativos de Garantia
[3] A avaliação da conformidade, na definição da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, “é um exame sistemático do grau de cumprimento, por parte de um produto, processo ou serviço, aos requisitos especificados”.
[4] Estes princípios foram sistematizados pela Força Tarefa Internacional sobre SPGs, conformada a partir do Seminário Internacional de Certificação Alternativa, realizado por IFOAM e MAELA em abril de 2004. Mais informações www.centroecologico.org.br