A AGROECOLOGIA COMO UMA ALTERNATIVA A PRODUÇÃO DE CULTIVOS TRANSGÊNICOS.
Laércio Meirelles[1]
Velhas garrafas, novos rótulos.
Muita propaganda por um lado, um pouco de esquecimento por outro e já estamos consumindo o velho como se fosse novo. Em alguns casos os interesses de uns se encontram com a ignorância de outros. O resultado pode ser perverso.
Em nosso continente, durante os anos 70, o poderoso lobby da indústria agroquímica fazia propaganda de ter a solução para o principal, segundo este mesmo lobby, problema da humanidade. A fome, presente e futura, era o inimigo a ser combatido. A solução, modernizar a atrasada agricultura Latino-americana, com o uso intensivo de produtos vendidos pela mesma indústria: tratores, fertilizantes, sementes hibridas, agrotóxicos.
Depois de 30 anos de uma fé cega nesta alternativa, o quadro é no mínimo curioso. Ficamos com os efeitos colaterais dos remédios propostos, a doença se agravou, mas ainda assim o diagnóstico é igual e a receita sugerida segue sendo a mesma. Ou quase.
Atualmente, segundo a indústria, necessitamos de mais do mesmo: alta tecnologia. Agora travestida não de agroquímicos, mas de OGMs (organismos geneticamente manipulados).
Li em um artigo de Leonardo Boff, citando a Hegel, que o ser humano aprende da historia que não aprende nada da historia, mas aprende tudo do sofrimento. Quem sabe neste tema nós deveríamos experimentar algo diferente: aprender com a historia, olhando os efeitos negativos da quimificação da agricultura e evitando os efeitos ainda piores que podem vir dos OGMs.
OGMs? Não, gracias!
Prefiro a agroecologia. Olhando a partir da perspectiva do produtor, a agroecologia me leva a uma produção que não compromete as bases que me permitem produzir: o solo, as águas, as sementes, minha saúde. Além disto, é barata e me mantém independente da indústria que tira o que pode do agricultor. e, se não fosse suficiente, ainda resgata meu prazer de trabalhar na agricultura, entre outros motivos, porque posso oferecer um produto saudável aos consumidores.
Se olho desde o ângulo de um consumidor, prefiro comprar alimentos produzidos tendo por base a agroecologia. Em primeiro lugar, por respeito a saúde – minha, do produtor e do planeta. Também, para estimular, com meu consumo, uma maneira de produzir que incorpora valores ambientais a sua prática. Por último, para contribuir com o surgimento de novos desenhos de organizações sociais, com estratégias descentralizadas de processamento e com novas redes de circulação de mercadorias.
A Agroecologia vem sendo definida de diferentes maneiras. Segundo Stephen Gliessman, em seu excelente libro "Processos Ecológicos em Agricultura Sustentável", a Agroecologia "é a ciência que aplica conceitos e princípios ecológicos no desenho e manejo de agroecosistemas sustentáveis”.
Susanna Hecht, no pioneiro livro coordenado por Miguel Altieri, "Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável", amplia um pouco mais esta definição, dizendo que “A Agroecologia é uma abordagem agrícola que incorpora cuidados especiais relativos tanto ao ambiente, como aos problemas sociais, enfocando no apenas a produção, mas também a sustentabilidade do sistema de produção”
Teorizar sim, fazer também
Para além das diferentes definições que pode ter a agroecologia, o importante é que em todo o mundo, milhares de camponeses e camponesas fazem da produção saudável seu objetivo de vida e sua prática cotidiana. Em nosso continente o quadro não é diferente. Em todos os países existem experiências exitosas, que demostram a aplicabilidade dos conceitos agroecológicos.
São experiências que começam com a produção limpa, que se traduz em práticas como fertilização orgânica, adubos verdes, associações e rotações de cultivos, manejo de ervas espontâneas, manutenção e fomento da biodiversidade. Continuam com a construção de formas democráticas e participativas de organização social, tanto de produtores como de consumidores. São grupos informais, associações e cooperativas, onde a identificação dos problemas e a busca de soluções acontecem de maneira coletiva.
As experiências mencionadas, muitas vezes, envolvem também a circulação de mercadorias, onde aproximar os produtores dos consumidores é o objetivo principal. Esta aproximação evita gastos energéticos com transportes a largas distancias, permite a criação de laços de solidariedade entre o campo e a cidade, e facilita a geração de credibilidade para o produto ecológico. Pode ainda melhorar os preços para agricultores e consumidores, se o intercambio envolve dinheiro. Estas iniciativas se materializam como diferentes formas de intercambio de produtos: Organizações de Cestas Comunitárias, Feiras de Agricultores Ecologistas, Cooperativas de Consumidores de Produtos Ecológicos, Lojas dos próprios agricultores, etc.
Para isto serve a utopia… para caminhar.
A utopia passa por a percepção que estas diferentes iniciativas podem crescer e conectarem-se entre si, conformando uma grande "Rede Solidária de Produção e Circulação de Produtos Ecológicos", contribuindo ao desenho de um outro mundo possível, baseado na filosofia da preservação ambiental e da justiça social, e tendo na ideia generosa da igualdade una referencia estratégica.
O movimento socioambiental no vive, talvez, seu melhor momento. Temos muitas vezes a sensação de que vivemos de pequenas vitorias e grandes derrotas. Não importa. Viver a aventura de trabalhar por um mundo agroecológico, livre de transgênicos já é uma recompensa. Além disto, pode ser que a consciência tranquila seja nosso único conforto, para quando as gerações futuras, nossos filhos e netos, nos perguntem por que não fizemos nada, quando ainda era possível.
Dom Pedro de Alcântara, janeiro de 2006.
[1] Ingeniero Agrónomo. Coordinador del Centro Ecológico Ipê, ONG que desde 1985 trabaja con accesoria y formación en Agricultura Ecológica. Coordinador saliente de la Región Cono Sur del MAELA – Movimiento Agroecológico de la América Latina y del Caribe.