Manejo Agroflorestal de Bananais
INTRODUÇÃO
A idéia do presente texto é relatar brevemente uma experiência de Manejo Agroflorestal de Bananais desenvolvida na região de Torres, Litoral Norte do RS, conectando este relato com alguns dos princípios que têm norteado os trabalhos com Agricultura Ecológica em nossa instituição. Depois de uma breve descrição da região, relatamos sinteticamente o manejo desenvolvido por um bananicultor e passamos a listar alguns princípios da Agricultura Ecológica que cremos estarem pragmatizados nesta experiência.
Uma leitura cuidadosa permitirá que se estabeleça a relação entre os princípios elencados e as práticas aqui descritas.
A REGIÃO
A área que denominamos de Região de Torres compreende os municípios de Torres, Três Cachoeiras, Morrinhos do Sul, Mampituba e Dom Pedro de Alcântara, e compõem a micro-região homogênea 310-Litoral Setentrional do Rio Grande do Sul.
A cobertura vegetal originária desta região é a Floresta ombrófila densa, designada também como Floresta Tropical Atlântica. A média de precipitação anual esta entre 1250 a 1500 mm, e a temperatura média se encontra entre 18 e 20 o C com um índice médio de ocorrência de geada de um dia por ano.
As características básicas do meio natural da Região evidenciam a importância que representa este ecossistema na diversidade de espécies existentes no Rio Grande do Sul e salientam também o tênue equilíbrio que se apresenta diante da intensa e contínua ação antrópica, necessitando práticas agrícolas adequadas e adaptadas ao ecossistema regional.
A banana, que representa o cultivo mais expressivo em quantidade de área e volume de produção, é cultivada seguindo um padrão tecnológico completamente inadequado a realidade local.
O uso intenso de agrotóxicos, conjuntamente com a inadequação do uso dos solos têm provocado erosão e perda de fertilidade, além de outros problemas associados, tais como a incidência de pragas e doenças. As conseqüências deste padrão tecnológicos já são conhecidas de todos, e mostram-se ainda mais grave na região, já que as características edafoclimáticas e dos sistemas de produção são bastante frágeis, situação que a assistência técnica oficial não tem conseguido enfrentar.
A resposta da equipe técnica do Centro Ecológico em conjunto com os agricultores das diversas Associações de Agricultores Ecologistas para esta problemática é o Manejo Agroflorestal destes bananais.
O MANEJO DOS BANANAIS
O objetivo primordial é buscar um manejo compatível com a realidade sócio ambiental destes agricultores. Como conseqüências desejadas, destacamos a viabilização econômica destas famílias e a busca da reconstituição sistemática da vegetação original da região, aumentando a cobertura florestal e procurando conectá-la com os remanescentes florestais que ainda existem.
O manejo baseia-se em um primeiro instante, quando possível, na observação do ecossistema natural, com uma posterior intervenção, que deve ser a mínima possível. Esta intervenção além de respeitar a arquitetura vegetal original, deve privilegiar que as espécies exógenas a serem implantadas desempenhem funções análogas às desempenhadas pelas espécies que eram encontradas originalmente.
Uma das famílias que vem adotando este manejo são os Model[2], da comunidade rural do Morro do Coco, município de D. Pedro de Alcântara.
No caso deste bananal, que possui uma área de 2,5 ha, partiu-se de uma realidade de monocultivo, onde a capina e a adubação química eram as regras, para um redesenho deste agroecossistema na busca de se aproximar sucessivamente do ecossistema original.
Em um primeiro momento a utilização de insumos como sementes de espécies exóticas de adubação verde, esterco de aviário e adubos minerais vem sendo considerados necessários. Aplicações de micro-nutrientes, no solo ou via foliar também são realizadas. Como exemplo podemos citar que a recuperação de áreas afetadas com Mal do Panamá (Fusarium oxysporum) está sendo feita com aplicações de cinza no solo, utilizada como fonte de potássio.
Concomitantemente vem sendo introduzidas mudas de espécies vegetais endêmicas na região, bem como se substituindo a capina pelo desbaste seletivo, onde as espécies consideradas apropriadas ao convívio com o bananal começam a repovoar o ambiente. A poda das árvores é outro elemento importante no manejo proposto, permitindo uma boa iluminação para o bananal, mantendo o solo coberto e disponibilizando nutrientes extraídos das camadas mais profundas.
Hoje encontramos nesta área espécies como por exemplo Palmito (Euterpe edulis), Ingá (Inga sp.), Canela-preta (Ocotea catharinensis), Laranjeira-do-mato (Sloanea guianensis), Peroba-vermelha (Aspidosperma olivaceum), Pau-óleo (Copaifera trapezifolia), Canela sassafrás (Ocotea pretiosa), Bicuíba (Virola oleifera), Caxeta-amarela (Nectandra lanceolata), Guarajuva (Buchenavia kleinii) e Guapeva (Pouteria torta), entre outras.
A produção de banana obtida é 30 toneladas/ano, com uma média de 12ton/ha/ano, comercializada principalmente em Feiras de Agricultores Ecologistas. A família Model faz parte da ACERT (Associação dos Colonos Ecologistas da região de Torres). O excedente de sua produção é direcionado para a propriedade da família Fernandes, onde é transformada em banana-passa.
OS PRINCÍPIOS
Com esta breve descrição, podemos elencar alguns princípios da produção ecológica que estão sendo contemplados pelo Manejo feito neste bananal:
1) Agricultura como fonte de energia, minimizando o uso de petróleo, maximizando uso da energia do sol e buscando a máxima complexação do Agroecossistema.
2) Sustentabilidade, buscando anular a pressão sobre recursos naturais não renováveis, um eficiente sistema de proteção ao solo, o estimulo aos ciclos de nutrientes e, principalmente, identificando a Natureza como nossa Matriz Tecnológica.
3) Abordagem de Sistemas, visualizada no redesenho do agroecossistema, no manejo de plantas indicadoras baseado nos princípios da Sucessão Vegetal e na observação dos princípios da Teoria da Trofobiose, que relaciona sanidade com estado fisiológico da planta.
4) Diversidade, observada na integração e na diversificação do Agroecossistema.
5) Incorporação do conhecimento local acumulado, com a valorização do saber do Agricultor, resgate de tecnologias brandas e geração conjunta de novas tecnologias.
6) Protagonismo do agricultor na organização do seu processo produtivo, com a utilização de tecnologias passíveis de serem socializadas e sob controle do agricultor.
Além de contemplar estes princípios, vinculados à produção propriamente dita, este agricultor também esta inserido em um grupo que mantém relações de cooperação democráticas e participativas, buscando a comercialização através de canais alternativos de circulação de mercadorias e se vinculando a sistemas descentralizados de beneficiamento, agregando valor a sua produção. Todos estes pontos são correlatos importantes à proposta de mudança no padrão tecnológico, no intuito de buscarmos o fortalecimento da Agricultura Familiar.
Todo este arsenal de alternativas que esta família tem buscado para atingir seus objetivos de reprodução social e viabilização econômica tem trazido alguns “efeitos colaterais” bastante gratificantes:
Ø redimensionamento da relação ser humano – natureza;
Ø redesenho do sistema, lhe conferindo um caráter de sustentabilidade nos seus vários aspectos;
Ø revalorização do agricultor, elevando sua auto-estima;
Ø resgate do prazer e da dignidade de ser agricultor.
CONCLUSÃO
A convicção que temos é que se este tipo de procedimento com as características agronômicas, econômicas e socioculturais já referidas não é ainda uma realidade estatística, é no mínimo um exemplo para ser observado. Possivelmente é por este caminho que deveremos nos enveredar na busca de uma agricultura mais sadia e de um modelo de desenvolvimento onde a sustentabilidade esteja contemplada em suas múltiplas dimensões.